**Entrevista - dez/2005**

No segundo semestre de 2005 recebi um e-mail de uma pessoa querendo me fazer uma entrevista. Não dei muita bola pra ela porque achava que era algum tipo de brincadeira, pegadinha ou coisas do tipo. Se fosse algo sobre meu trabalho poderia até acreditar mas a mensagem foi enviada para a conta de e-mail do meu fake, o que descarta totalmente esta hipótese.

Algumas semanas depois recebo novamente o e-mail insistindo no assunto da entrevista, agora com um telefone para fazer contato. Cheguei a desconsiderar novamente a mensagem mas dias depois resolvo seguir uma tática. Se fosse uma brincadeira e o telefone tivesse bina eu iria me ferrar, pois talvez seja alguém da NE querendo me sacanear. Estava com medo daquilo mas ao mesmo tempo fiquei curioso. Depois de hesitar um pouco tive uma saída estratégica: desço até um orelhão para ligar para o tal número de telefone. O telefone, segundo o prefixo, era da mesma cidade que eu, mas aquilo ainda não havia me deixado tranquilo.

Liguei e atendeu uma mulher, mas não queria me identificar porque eu ainda estava extremamente desconfiado. Comecei falando sobre um e-mail que "uma pessoa do Orkut recebeu falando sobre uma entrevista e que queria mais informações". Para minha sorte quem atendeu foi a pessoa que disse ser a mulher que me mandou a mensagem. Ela perguntou o meu nome e eu disse que não queria me identificar. Em seguida perguntei qual era o perfil do Orkut com o qual ela queria fazer uma entrevista. Assim que ela disse Placenta de Piolho fico um pouco mais aliviado, ainda que com algumas restrições. Pedi desculpas a ela porque estava com medo de ser alguma brincadeira para revelar informações a meu respeito no Orkut. Depois de mais alguns minutos de conversa ela me explicou com mais detalhes: era uma aluna do curso de Comunicação de uma faculdade particular da cidade onde eu moro que queria me convidar para ser entrevistado pelos integrantes da turma dela.

Ainda com algum medo de me identificar combinei com ela para me dar o endereço do local da entrevista e o horário do evento que pouco antes da hora eu iria procurá-la. Ela concordou e finalmente perguntei como que ela soube de mim, o propósito da entrevista e outros detalhes a respeito. Ela também frequentava a NE e estava lendo meus tópicos com frequência. Num outro tópico da comunidade eu deixei escapar que morava na mesma cidade que ela. Na faculdade que ela estuda tem um evento feito por alunos de Comunicação que fala sobre internet e seus vários tipos de utilização pelas pessoas. Algumas pessoas são entrevistadas e havia chegado a minha vez.

No princípio fiquei meio com medo porque além da NE eu usava o meu fake para entrar em comunidades de algumas cidades do interior do estado para discutir sobre política, coronelismo, oligarquias, etc. As brigas eram feias e eu era o pivô delas, daí também achei que, além da possibilidade de ser algo relacionado à NE, alguém dessas cidades poderia me fazer algum tipo de represália.

No final eu aceitei participar da entrevista universitária, mas com a condição de não informar meu nome para evitar transtornos.

Numa quarta-feira de dezembro acontece a entrevista. Na época eu estava preparando a "Semana Cultural Doraemon" e a mulher que tinha feito contato comigo tinha copiado e separado alguns de meus tópicos para mostrar para os alunos que iam me entrevistar.

Abaixo a íntegra da entrevista feita na faculdade por alunos do Curso de Comunicação.



[Apresentadora]Bom dia a todos!

[Público]Bom dia!

[Apresentadora]Estamos aqui com uma
pessoa que costuma utilizar a internet para divertir as pessoas. Ele pediu para não se identificar e conforme as perguntas forem surgindo ele vai dizer quais artifícios ele utiliza para realizar seu trabalho. Cada um faz apenas uma pergunta de cada vez e dependendo do tempo a gente pode deixar fazer uma outra pergunta.

(a apresentadora se vira pra mim)

[Apresentadora]Aquele telão está ligado a um computador com conexão a internet e separamos algum material que vc fez para mostrar pata eles. Pode ser?

[eu]Tudo bem, mas quero avisar que muitos dos tópicos que eu criei contém palavrões. Tem mulheres aqui e fico até meio encabulado de deixar mostrar essas coisas.

(risos)

[Apresentadora]Olha, não tem problema. Aqui todo mundo já é grandinho e já entrevistamos pessoas aqui que já divulgaram coisas muito piores... (risos)

[eu]Se vc está falando isso já me sinto mais seguro, porque é baixaria pura. (risos)

[Apresentadora]Vamos começar então. (vira para os alunos) Quem quer ser o primeiro?

(A apresentadora entrega o microfone a um dos alunos que estavam no auditório onde estava ocorrendo o evento)

[Aluno]Oi. Como vc faz para usar a internet? Vc tem site, blog, fotolog?

[eu]Eu uso como todo mundo. Utilizo para meus e-mails, ver notícias e fazer pesquisas para o meu trabalho. Mas com relação ao motivo por que fui convidado aqui eu uso o Orkut. Já tive um blog uns 2, 3 anos atrás e de 2004 pra cá resolvi usar o Orkut.

[Outro aluno]Como vc consegue usar o Orkut para divertir as pessoas? Vc criou alguma comunidade lá para publicar piadas?

[eu]Não, eu criei um perfil. Eu soube do Orkut como todo mundo, em 2004. Não tinha me interessado muito porque o pessoal falava muito em arranjar namorada, paquera, esse tipo de coisas. Como não sou solteiro, não fiz tanta questão de saber como o Orkut funciona. Por volta de outubro do ano passado (2004) eu soube que, além de facilitar os relacionamentos eu poderia encontrar pessoas que não via há muito tempo. Resolvi encarar e entrei no site para tentar achar pessoas que estudavam comigo ainda na escola. Achei legal porque encontrei muita gente. Como eu já estava lá acabei visitando outras comunidades e numa delas eu vi que as pessoas usavam perfis falsos para deixar suas opiniões. Encarnavam verdadeiros personagens e achei isso engraçado. Resolvi fazer o mesmo e acabou dando certo.

[outro aluno]Vc disse que vive um personagem no Orkut. Por que vc não vive vc mesmo? Qual o motivo para vc ter tomado essa decisão?

[eu]Primeiramente a privacidade. Existem comunidades no Orkut que são um perigo para vc participar, entre elas a que eu frequento, que se chama "No Escuro". A proposta dessa comunidade é que vc entre lá e, anonimamente, revele alguma coisa que vc fez de íntimo, errado ou constrangedor na vida. Com o anonimato a pessoa se sente mais à vontade mas o problema é que o Orkut dá muitos problemas e também as pessoas esquecem de colocar na opção anônima. Já cansei de ver pessoas falarem seus podres lá e na hora esquecem de postar anoninamente na comunidade, dando muita dor de cabeça. Para evitar isso algumas pessoas resolveram criar perfis falsos, que as pessoas gostam mais de chamar de 'fakes', para postar lá. Se esquecer de postar anônimo não aparece o perfil real da pessoa, assim evita problemas.

[outro aluno]Aconteceu algo com vc nessa comunidade que vc entra?

[eu] Comigo até hoje não. (risos) Mas já testemunhei algumas cenas. Tem gente que fica de plantão lá para sacanear quem esquece de postar anoninamente.

[outro aluno]Vc pode mostrar esse personagem?

[Apresentadora] Curiosa... (risos)

(a apresentadora pede para que eu vá fazer o login do Orkut no computador para que o perfil apareça no telão. Assim que aparece o perfil do Placenta algumas pessoas riem.)

[outro aluno](rindo)De onde vc tirou esse nome?

[eu]Uns três anos atrás eu estava assistindo ao Zorra Total, aquele programa que passa aos sábados à noite. Havia um personagem do Agildo Ribeiro que tinha um mordomo e num desses episódios ele chamou o mordomo de Placenta de Piolho (risos). Na época ainda não tinha Orkut mas resolvi usar esse nome naquele programa de bate-papo, o IRC. Levei esse nome também para o meu blog, fazendo um personagem um pouco parecido com o que faço atualmente no Orkut e depois que esse blog foi aposentado eu reutilizei-o no Orkut.

[outro aluno]Vc colocou um jegue na foto. Tem algum significado?

[eu]Mais ou menos. Eu não tinha o que colocar e acabei achando essa foto do jumento. Depois que comecei a colocar meus textos na comunidade eu acabei moldando o personagem e hopje posso dizer que não caberia um animal melhor para o perfil. Acabei transformando numa forma de protesto à burrice que predomina neste país, além de ser uma homenagem ao estado que eu adoteo como lar.

[outro aluno]Vc morava em que cidade?

[eu]eu nasci xxxxxxxxxxxxxxxx e vivi lá até 5 anos atrás. Vim para cá e consegui um emprego numa cidade do interior. Fiquei lá até início de 2004 e voltei para a minha cidade natal para fazer um tratamento. Voltei para cá no final de 2004 e estou até agora aqui.

[outro aluno]Vc faz o que? qual a tua profissão?

[eu]Eu sou formado em admnistração de empresas mas atualmente estou exercendo a minha profissão de astrônomo. Trabalhei num local público e agora aqui sou professor de astronomia.

[outro aluno]Quero saber se dá pra mostrar o que vc faz no Orkut.

(a apresentadora chama a mulher que tinha feito contato comigo no início para mostrar alguns de meus tópicos no telão)

(no telão são mostrados os seguintes tópicos na ordem para os alunos: SIMULADÃO UNIBRONHA, BRIGADAS REVOLUCIONÁRIAS AL-MÔNDEGA, CONCURSO PÚBLICO - PREFEITURA DE CUDAMÃENHANGABA, MULTIPLICADORES PROTESTAM NAS RUAS, RESTAURANTES MULTIPLICATTORE e CONTERVAN 2005)

(depois da leitura em voz alta da aprsentadora para os alunos presentes, inicia-se nova rodada de perguntas)

[outro aluno]De onde vc tira essas coisas? (risos)

[eu]Tiro da minha cabeça mesmo. Tudo começou somente como uma grande brincadeira e o pessoal tem reagido bem, daí resolvi continuar. Não ganho nada pra ficar postando essas coisas, é puro divertimento. (risos)

[outro aluno]Eu quero saber o que são esses multiplicadores que vc citou em seu trabalho?

[eu]Geralmente quem costuma usar bastante o Orkut é que vai saber facilmente o que são esses multiplicadores. São pessoas que criaram códigos de linguagem de programação que fazem com que um determinado tópico que foi postado repita por várias e várias vezes. Alguns chamam eles de 'flooders' mas prefiro ficar com 'multiplicadores' mesmo. A maioria deve ser adolescente, muita gente reclama disso tudo mas o Orkut continua sendo alvo desses problemas. O que eu fiz foi me divertir às custas desses caras. Eles multiplicam e eu sacaneio eles. (risos)

[outro aluno]Apesar de tudo o que vc escreve ser um besteirol vc se inspirou em alguém para criar esse tipo de textos? (risos)

[eu]Por incrível que pareça sim. (risos) Primeiramente me inspirei num grande amigo meu dos tempos de infância que alguns anos atrás fez um blog com esse tipo de linguagem. Foi bem legal fazer com ele esse blog que era regado com nonsense e vários trocadilhos escatológicos. Chegamos a ganhar citações em outros blogs conhecidos e até cogitou-se a divulgar o blog num jornal especializado mas os palavrões que a gente usava acabaram impedindo (risos)

(a Apresentadora interrompe e pergunta...)

[Apresentadora] Esse blog vc pode mostrar aqui pra gente?

[eu]Adoraria, mas ele foi desativado em 2004. Nessa época aquele servidor ligado a Globo.com, o Blogger, era de graça e acabamos criando-o lá. Se chamava "Dr. Cesariano, Anestesista por Opção". Depois que houve umas mudanças do Blogger eles acabaram tirando vários do ar, inclusive o nosso. Sobre a pergunta da inspiração, quando eu era adolescente lia muito uma revista chamada MAD, que é vendida até hoje, sobre besteirol. Também me inspirei no Casseta e Planeta (risos), em especial um colunista fictício de um jornal chamado O Globo, onde todos os domingos tem a coluna do Agamenon Mendes Pedreira, que é o Marcelo Madureira e mais um integrante do Casseta fazendo os artigos. Também me inspirei na PRK-30, um programa de rádio dos anos 40 e 50 onde os locutores faziam humor com trocadilhos e nonsense, e até em Augusto dos Anjos me inspirei com esse lado nojento da coisa (risos), essa parte escatológica. Também posso citar Woody Allen, um cineasta que em seus trabalhos gosta de se sacanear, por isso o Placenta se cita em alguns desses tópicos que vcs viram (risos).

[outro aluno]Vc não pensa em ganhar dinheiro com esse tipo de trabalho? Existem blogs que começaram assim do nada e hoje são bastante conhecidos. Cocadaboa, KibeLoco são alguns...

[eu]Algumas pessoas já me perguntaram isso mas teria que sofrer algumas mudanças bem radicais nos meus textos porque às vezes eu pego bem pesado. Mas seria um sonho ganhar dinheiro pra ficar falando besteira. (risos)

[outro aluno]Onde vc coloca esses textos?

[eu]Todos eles eu tenho colocado na comunidade "No Escuro". Eu conheci uma turma bem legal lá e muitas vezes cito eles nos meus textos. Pego o nome de uma rua fictícia e coloco o nome do personagem que entra na comunidade, outro perfil falso vira marca de um produto e por aí vai. Tem outro tipo de texto que eu faço que não estava nessa coletânea que são as biografias. Eu pesquiso sobre o perfil, algumas coisas da vida dele e faço o texto em cima. Isso é legal porque tem gente que pede para eu fazer uma em homenagem a ela, mas também serve para sacanear como o que tenho feito nesses dias. (risos)

[outro aluno]Vc recebe mais críticas ou elogios?

[eu]Depende. Elogios eu recebo bastante por isso eu continuo fazendo esses textos até hoje. Não imaginava que tivesse essa repercussão toda, estou até sendo chamado para entrevista (risos). Outro dia eu estava num cybercafé e vi uns caras que nunca vi na vida comentando sobre um texto que eu havia postado, foi muita coincidência e fiquei realmente surpreso com isso tudo. No caso das críticas eu só aceito críticas construtivas. Eu acho o seguinte: se vc ler e não gostar do texto vc simplesmente não liga e deixa pra lá, mas ficar esperando eu postar lá no Orkut um texto pra ficar me xingando isso não tem nada a ver e é isto o que tem acontecido lá. Eu tinha um jeito de escrever mas recebi críticas de outras pessoas que realmente liam e se preocupavam em analisar o que eu escrevia. Recebi a crítica numa boa, fui lá e mudei o estilo do texto. Aí tudo bem, mas ficar me xingando como o que tem acontecido lá só vai me fazer criar textos a respeito (risos).

[outro aluno]Já que vc considera isso uma brincadeira quando foi que começou? Na infância? Quando que começou isso?

[eu]Comecei ainda na adolescência. Eu ficava gravando fitas K-7 com quatro amigos meus, simulando um programa de rádio. A gente ficava gravando entrevistas, comerciais, atrações, músicas, tudo nas fitas. Pra fazer de conta que eram muito mais do que 5 pessoas alguns de nós costumávamos alterar nossas vozes. Era bastante divertido. Um desses meus amigos era exatamente aquele que fazia comigo o blog do Dr. Cesariano, daí anos depois bateu uma vontade de fazer novamente aquelas coisas e com a internet tudo ficou mais fácil registrar.

[Apresentadora]Pessoal, acho que já foi bom por hoje. A gente pára por aqui. Quero agradecer a vc por ter concedido esse tempo pra gente. A maioria aqui são estudantes de Comunicação e Jornalismo e eles vão fazer um trabalho sobre o que foi mostrado aqui.

[eu]Eu que agradeço. Peço desculpas por manter o anonimato por razões particulares mas achei legal poder mostrar um pouco do que faço quando não estou trabalhando (risos).

(aplausos)

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